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A different view

2008

Voyeur Project View, Lisbon

 

A monocularidade imposta pelo peep-hole tem consequências directas ao nível do cálculo das distâncias e da profundidade de campo. Habituado a regular-se pela visão estereoscópica, o cérebro humano perde as referências da tridimensionalidade, promovendo uma laminação do espaço apercebido.

A intervenção que Paula Prates propõe para o Voyeur Project View assume precisamente o jogo entre o espaço e a limitação da visualidade que lhe está associada, ao transpor para o âmbito da escultura o anverso de uma estratégia própria dos suportes bidimensionais. A ilusão da tridimensionalidade na pintura e no desenho compreende-se enquanto estratégia de reconhecimento e de aproximação a um real familiar. Mas o que dizer de uma forma tridimensional cujas contingências da sua percepção fazem com que se comporte como um holograma? A forma no espaço impõe-se como imagem no espaço – o objecto vive como uma aparência de si mesmo, da sua própria tridimensionalidade, iludindo-nos na assunção platónica das distâncias entre ideia, cópia e simulacro.

Há, com efeito, uma espécie de humildade nesta estrutura que se delineia luminosamente no espaço como se fosse um simples esboço da sua própria forma. Estratégia catártica de simplificação? Estratificação entre forma, espaço e percepção? Falácia dos sentidos? Talvez o caminho seja apontado pelos desenhos expostos na sala contígua. Nestes desenhos a perspectiva é clara, também ela sem pontos de vista múltiplos. Permanece porém uma certa desorientação. As formas do desenho multiplicam-se de modo

ora estilhaçado, ora gnomónico, parecendo querer transbordar de forma impetuosa os limites da sua superfície, atingindo-nos e integrando-nos na imagem caleidoscópica de geometrias variáveis.

Entre a minúcia destes desenhos a grafite e a lhanura da forma que habita o espaço, o encontro dá-se numa organicidade oculta por detrás do traçado que as estrutura e que estabelece um núcleo de coerência relativamente aos anteriores trabalhos de Paula Prates, baseados na desconstrução digital de imagens de órgãos humanos. Aqui, tal carácter orgânico exterioriza-se na pulsão de vida que parece animar qualquer uma das composições. Nas obras bidimensionais, exterioriza-se pelo cunho dinâmico, expansivo, das formas que avançam para nós; na estrutura tridimensional, exterioriza-se pela modelação lumínica articulada entre o branco das arestas e a luz negra que com elas convive no espaço – em ambos os casos há uma fluorescência do desenho que o torna trama viva.

 

 

Ana Ferreira

2008

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