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O tempo fixado no espaço 

 

A exposição Linha de Tempo (1), da artista plástica Paula Prates é composta por 7 desenhos suspensos no centro da sala do Laboratório de Química Analítica. Trabalhos a caneta branca sobre papel de alcatrão. A artista experiencia a nível pictórico, ideias como as de acumulação, sucessão de linhas, de rastos, para criar as suas narrativas lineares. Citando Paula Prates, “a linha de tempo tem a ver com os registos que ficam nos minerais, nas rochas das arribas assim como nas árvores, com a passagem do tempo. Neste caso particular, com os minerais e as rochas, como se pode observar nos minerais existentes no museu.” A ideia da passagem do tempo, da memória, do vestígio, da ligação de linhas no espaço, num tempo, são elementos evocados nestes trabalhos artísticos.

 

A ideia de fragmento sempre presente nestes trabalhos evoca-nos também para uma memória coletiva de construção de fragmentos. “A memória é sempre ativa, viva, encarnada no social – ou seja, nos indivíduos, nas famílias, nos grupos, nações e regiões. Estas são as memórias necessárias para construir diferentes futuros locais num mundo global.”(2) A exposição problematiza as possibilidades de uma inscrição linear e cronológica de existências imaginárias ou não, onde se explora uma tridimensionalidade utópica de uma memória vivencial.

 

Os desenhos têm atitudes diferentes, nuns as linhas cruzam-se, noutros não se encontram, tal como os caminhos que percorremos na nossa vida. “Como esclarecer a si própria, por exemplo, que linhas agudas e compridas tinham claramente a marca? Eram finas e magras. Em dado momento paravam tão linhas, tão no mesmo estado como no começo. Interrompidas, sempre interrompidas não porque terminassem, mas porque ninguém podia levá-las a um fim.” (3) A repetição do gesto da artista cria desenhos que se projetam em vários planos e direções, idealizando uma ou várias narrativas conforme o olhar do observador. 

 

No último desenho realizado por Paula Prates, instalado no centro dos outros desenhos, pode-se encontrar a interrupção, o partir, o vazio como na cultura oriental.  A sua intenção é atingir a ideia do vazio como um elemento preponderante na composição, tão importante como os elementos percetíveis. Para que exista movimento é preciso que exista o vazio, a criação artística é feita de mutações e de impermanência. Não são interrupções definitivas, a artista retoma sempre a linha e vai desenhado, realçando a importância do que é incorporado como o que é ocultado na construção do seu discurso plástico. 

 

Os desenhos suspensos, movimentam-se lentamente com a circulação do ar, as linhas desenhadas movem-se. Pode-se passear entre eles, caminhar, como uma linha de tempo, passada e futura, com representações de registos de fósseis, “não se podem reviver as durações abolidas. Só se pode pensá-las na linha de um tempo abstrato privado de toda densidade. É pelo espaço, é no espaço que encontramos os belos fósseis de uma duração concretizados em longos estágios. O inconsciente estagia.”(4)

Os desenhos combinam-se entre si criando uma instalação onde o tempo foi preso no espaço. 

 

Sofia Marçal

(1) Paula Prates inspirou-se na frase do Professor António Galopim de Carvalho para o título da exposição. “Proximidade entre a pedra e o papel. Ambos são fortes e frágeis ao mesmo tempo e vivem numa linha de tempo muito maior do que os nossos corpos humanos podem e conseguem experienciar.”

(2) Andreas Huyssen, in: Políticas da memória no nosso tempo, p. 26.

(3) Clarice Lispector, in: Perto do Coração Selvagem, p. 24. 

(4) Gaston Bachelard in: A Poética do Espaço, p. 203.

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